Apesar de já apresentar sinais de recuperação econômica, o Brasil deve conviver com uma taxa de desemprego elevada por algum tempo após a pandemia da covid-19, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ele explicou que o novo coronavírus acelerou o uso da tecnologia e disse que, por isso, nem todos os profissionais tiveram tempo de se preparar para o novo mercado de trabalho. Porém, avisou que o Brasil não tem espaço fiscal para lançar programas sociais com foco nesses desempregados, como outros países devem fazer.
A perspectiva de retomada lenta do emprego já estava na conta de boa parte do mercado. Tanto que, logo depois de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informar que o desemprego bateu o recorde de 14,4%, atingindo 13,8 milhões de pessoas, muitos analistas avisaram que a taxa ainda deve crescer, podendo chegar a 16% no início do ano que vem.
Porém, só ontem foi admitida pelo governo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, segue dizendo que a economia e o emprego estão numa retomada em V no Brasil.
“Temos o consumo voltando rápido, o Produto Interno Bruto (PIB) voltando rápido, mas o emprego não”, disse Campos Neto, em evento promovido pela revista inglesa The Economist. Ele explicou que o desemprego será um desafio para o Brasil e os demais países emergentes, porque a pandemia acelerou o uso da tecnologia e mudou o padrão de consumo das pessoas tão rapidamente que não deu tempo de muitos trabalhadores, sobretudo os informais, se a adaptarem a um mercado de trabalho cada vez mais digital. “Teremos mais empresas de tecnologia tirando empregos, especialmente de informais”, alertou o presidente do BC.
Pesquisa divulgada recentemente pelo Fórum Econômico Mundial corrobora com as projeções do BC. Segundo o estudo, até 85 milhões de empregos podem ser substituídos por máquinas nos próximos cinco anos no mundo, e essa mudança tem ganhado força no Brasil, onde 92% das companhias aceleraram a digitalização dos processos de trabalho e 68%, a automação de tarefas durante a pandemia. Por outro lado, o fórum acredita que 97 milhões de empregos mais qualificados devem surgir nesse processo. Porém, o estudo também mostra o desafio que será ocupar essas vagas no Brasil, pois revela que só 36,9% da população brasileira em idade de trabalhar tem habilidades digitais, e apenas 16,5% têm uma educação avançada — índices piores que os de países como Índia e Argentina.
Roberto Campos Neto acrescentou que a saída da crise tende a ser mais inclusiva, com governos de todo o mundo reforçando políticas sociais para atender à população mais pobre e aos desempregados. Porém, alertou que, no Brasil, a dívida pública vai saltar para quase 100% do PIB neste ano por conta dos gastos já realizados no enfrentamento da covid-19. “Os governos terão de fazer mais programas e isso vai aumentar a dívida. A questão é: temos espaço fiscal para isso ir muito longe? Nos mercados emergentes e, especialmente, no Brasil, que tem uma dívida alta, a resposta é não”, afirmou.
Ele admitiu, contudo, que a retirada dos auxílios emergenciais implementados na pandemia será difícil e vai exigir coordenação entre Executivo, Legislativo e Judiciário no Brasil. “Ter coordenação para gastar é mais fácil. Na saída, será muito mais difícil”, pontuou Campos Neto, que pode ter que se debruçar sobre essa questão do emprego mais à frente já que o projeto aprovado pelo Senado na semana passada para conferir autonomia ao Banco Central diz que a autoridade monetária deve assegurar a estabilidade dos preços, mas também buscar, na medida do possível, a suavização dos ciclos econômicos e o pleno emprego.
Segundo o presidente do BC, para resolver esse problema o Brasil precisa atrair investimentos produtivos, capazes de gerar emprego e renda. Dados do BC, contudo, mostram que o Investimento Direto no País (IDP) despencou 73% nos 12 meses encerrados em setembro. A queda é reflexo da crise da covid-19 e das incertezas em relação à sustentabilidade fiscal do país. Por isso, o BC também tem defendido a retomada da disciplina fiscal e a manutenção do teto de gastos em 2021.
Empreender para fugir da crise
O Mapa de Empresas, ferramenta digital do Ministério da Economia que acompanha dados sobre registro empresarial no Brasil, apontou que, em outubro, houve saldo positivo de 231.253 novos negócios abertos em todo o país. No período, foram criadas 320.559 empresas, enquanto 89.306 foram fechadas. E o tempo médio para abrir esses novos negócios no país foi o menor da série histórica: 2 dias e 17 horas.
Para o secretário de Governo Digital do Ministério da Economia, Luis Felipe Monteiro “os números de outubro do Mapa de Empresas são mais uma evidência da retomada da atividade econômica brasileira, após os impactos mais fortes causados pela pandemia do novo coronavírus no país”. Ele disse, ainda, que as medidas de simplificação que vêm sendo levadas a cabo “têm impacto forte neste processo, com o intuito de melhorar ainda mais o ambiente de negócios”.
Desemprego
No entanto, segundo Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), é fundamental analisar o contexto dessa busca por CNPJs. “Na prática, percebe-se, sim, um aumento do empreendedorismo. Mas isso somente aconteceu pela necessidade de renda de boa parte da população que sofreu os graves efeitos da pandemia”, lembrou. Ele destaca que, nos últimos 12 meses, o país fechou quase 12 milhões de vagas de trabalho.
“Somente de perda de vagas formais foram mais de 5 milhões, de um mercado de trabalho composto de 40 milhões de profissionais. E com a expectativa de alta da inflação — não que ela não esteja sob controle —, que já se aproxima do centro da meta estabelecida pelo Banco Central, esses novos negócios não refletem uma perspectiva de alta na confiança do empresariado. Pelo contrário, mostram o a situação de aperto financeiro e a necessidade dos trabalhadores de obter renda”, afirmou Bentes.
Segundo a Mapa de Empresas, o Amapá — estado que vive uma crise por conta de um apagão de energia — registrou o maior aumento percentual entre os estados em relação ao registro de novas empresas, com 755 novos empreendimentos abertos, 15,62% a mais que setembro. A atividade econômica com maior crescimento no país, em outubro, foi comércio varejista de bebidas (bares), com alta de 4,81% nos novos negócios abertos, na comparação com o mês anterior. Transporte rodoviário de cargas (4,77%) e promoção de vendas (3,26%) também tiveram variações positivas.
Fonte: Correio Braziliense