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Com fim da MP 927, volta ao trabalho presencial só pode com medidas sanitárias

A Medida Provisória (MP) nº 927, publicada em março deste ano pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) perdeu o prazo de validade no último domingo (19), ao não ser votada no Congresso Nacional.  Com isso, pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) voltaram a valer, gerando muitas dúvidas, principalmente sobre o trabalho remoto, o chamado de  teletrabalho ou home office.  Veja abaixo o que mudou.

Muitas empresas estão se aproveitando da desinformação e utilizando a linguagem jurídica, o popular “juridiquês”, para pedir aos trabalhadores e as trabalhadoras que voltem à atividade presencial. Mas, é importante ressaltar que o fim da MP 927 não interfere no Estado de Calamidade devido a pandemia, e com isso o teletrabalho pode ser mantido. O que mudou, é que agora é preciso concordância das partes e a formalização deste tipo de trabalho, como prevê a CLT, afirma o advogado e sócio da LBS Advogados, Fernando José Hirsch.

“Com a não votação da MP 927 ela deixa de existir no mundo jurídico, mas tudo que ocorreu nesses 120 dias terão validade. No entanto, agora a empresa não poderá mais antecipar novas férias, realizar banco de horas negativo tão amplo, oferecer home office [teletrabalho] sem documento escrito e ainda precisa voltar a recolher o FGTS normalmente”, explica Hirsch.

Segundo o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, o teletrabalho foi legalizado na reforma Trabalhista, mas é preciso que os sindicatos negociem as condições, que muitas vezes estão insalubres e desumanas.

“O problema é que há muitas empresas se aproveitando descaradamente e tirando o ‘couro dos trabalhadores’. Por isso, é importante que as pessoas procurem os sindicatos, que têm formas de atuação e podem fazer acordo para continuar com o teletrabalho. O sindicato tem papel fundamental de garantir as condições decentes de trabalho, como o cumprimento da jornada e a responsabilidade da empresa pela estrutura de trabalho adequada do home office”, ressalta Valeir.

Sobre a questão da formalização do home office, o procurador e Secretário de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho (MPT), Márcio Amazonas, diz que se for do interesse do trabalhador e do empregador, o acordo pode ser individual entre trabalhador e empresa, porque parte do pressuposto que é bom para a empresa, mas os sindicatos podem atuar para melhorar as condições.

“A empresa vai economizar energia, recursos materiais, a água e outras coisas e o trabalhador deixa de fazer o deslocamento todos os dias, economizando tempo e gasolina, por exemplo, e ficando mais com sua família.  Mas, os sindicatos podem sim reivindicar melhores condições de trabalho e negociar isso com a empresa”, afirma.

Essa participação mais efetiva dos sindicatos nesses tipos de negociações durante a pandemia é uma das orientações da CUT, segundo a secretária da Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva.

Para a Central, a retomada dos trabalhos presenciais não essenciais só deveria ocorrer com a transmissão do coronavírus controlada e com o sistema de saúde com capacidade para detectar, testar, isolar e tratar todos os casos. Mas, segundo ela, como diversos empregadores estão retornando as atividades econômicas, a CUT orienta que os sindicatos negociem com as empresas a reorganização de seus processos de trabalho e fiquem de olho nos direitos da classe trabalhadora.

“Com tantos ataques aos direitos duramente conquistados, a MP não podia continuar e toda a mobilização feita pela CUT foi muito importante para que ela caducasse. No entanto, agora devemos ficar atentos as alterações feitas pela CLT no pós golpe de 2016 , que modificam as relações de trabalho permitindo que os trabalhadores possam realizar as atividades laborais de forma remota”, finalizou Madalena.

 

Se empresa insistir no retorno presencial

A responsabilidade de garantir todas as condições de saúde e segurança dos trabalhadores nos locais de trabalho, inclusive nos deslocamento casa-trabalho-casa, é da empresa. A afirmação foi feita tanto por Madalena como pelo advogado da LBS, Fernando Hirsch.

Segundo ele, se a empresa decidir pelo retorno ao trabalho sem proteção, como álcool gel, distanciamento, máscara, local arejado com circulação de ar, dentre outras medidas preventivas, e ainda exigir o retorno do trabalhador que for do grupo de risco a pessoa pode recorrer ao sindicato ou até mesmo ao Judiciário.

“Neste período, o principal direito que o trabalhador precisa saber que tem é o direito à saúde e a vida, sendo obrigação do empregador zelar pelas normas de segurança no trabalho. Mas se o trabalhador for do grupo de risco ele precisa procurar o sindicato ou a Justiça para formalizar seu afastamento”, ressalta.

O procurador do MPT  Márcio Amazonas, afirma ainda que se a empresa exigir o retorno à atividade presencial e o trabalhador não se sentir protegido contra a Covid-19 porque o patrão não adotou os protocolos de segurança e saúde, ele pode se recusar a voltar por uma questão sanitária e de saúde pública, e deve denunciar aos órgãos competentes imediatamente.

“Não tendo um protocolo adequado pela empresa, o trabalhador pode realizar tanto a denúncia do Ministério Público do Trabalho, levar a reclamação para a auditoria fiscal do trabalho ou para o sindicato competente para que o retorno às atividades ocorra de forma protegida, que resguarde a saúde e segurança do trabalhador no ambiente de pandemia que vivemos”, afirmou Márcio.

Segundo ele, caso o trabalhador opte em denunciar no MPT, tanto no aplicativo quanto no formulário online disponível no site, vai chegar a informação a um procurador, que será o promotor natural daquele feito e que poderá instaurar inquérito civil por entender que ali existe indícios de um ato ilegal e irregular praticado pela empresa.

“Só o fato de existir a possibilidade de contágio da população com a doença por si só já é um caso de repercussão social e no caso de retorno de trabalho sem os protocolos adequados o MPT vai investigar, convidar a empresa assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para que cesse este comportamento e se regularize, adotando os protocolos necessários para o retorno. E caso de não aceitação desse termo pela empresa, não restará outra alternativa senão ajuizar uma ação civil pública contra empresa”, explicou o procurador do MPT.

 

Sindicatos CUTistas defendem que empresas paguem custos do home office

Sindicatos CUTistas reivindicam alterações nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) para garantir o direito de forma igualitária, como é o caso do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP). A entidade propõe uma cláusula que diz que “as empresas são integralmente responsáveis por todos os custos financeiros, diretos e indiretos e que continuarão integralmente responsáveis pela segurança e pela saúde do jornalista, caso adotem o regime de teletrabalho”.

O sindicato propõe ainda que será de responsabilidade da empresa efetuar o registro e o controle do horário de trabalho, bem como dos intervalos, de forma a garantir o pagamento das horas-extras realizadas ou sua compensação para os profissionais da imprensa.

Já os bancários estão adicionando na Campanha Salarial Nacional uma minuta para regular o teletrabalho, que não pode ser imposto pelo banco e que os custos sejam arcados pelo empregador.

“A cláusula também proíbe que sejam retirados direitos dos trabalhadores que cumprirem suas funções em suas casas, à exceção do vale-transporte/ combustível, que deve ser fornecido com valor proporcional aos dias de comparecimento do trabalhador no banco”, diz trecho da proposta.

 

Queda da MP 927 foi vitória dos trabalhadores

A MP chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mesmo com discordância dos parlamentares progressistas, da CUT e demais centrais. Por pressão da classe trabalhadora a medida não teve consenso no Senado, onde recebeu mais de mil emendas, o que foi determinante para que ela caducasse e perdesse a validade.

Para a CUT foi uma vitória da classe trabalhadora porque a medida assegurava que patrão e trabalhador celebrassem acordo individual abrindo mão de direitos, sem a participação de sindicatos, com a desculpa da necessidade de manter empregos durante a pandemia do coronavírus (Covid-19).  Mas isto não aconteceu. De janeiro a maio, foram fechados 446 mil postos de trabalho com carteira assinada, segundo levantamento do Dieese, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

 

Saiba o que mudou com o fim da validade da MP 927

Home office / teletrabalho

O empregador não pode determinar a mudança do regime presencial para o teletrabalho, precisa ser acordado entre as duas partes: empregador e trabalhador. Aprendizes e estagiários não podem mais atuar no regime de trabalho remoto. O tempo trabalhado pelo funcionário em regime remoto, além da jornada normal de trabalho, será considerada hora extra, e deverá ocorrer o seu pagamento.

Acordo individual x acordo coletivo

Com a MP 927, o acordo individual poderia ser preponderante ao coletivo, com mais peso. Com o fim da validade da medida, o acordo coletivo se sobrepõe ao individual, ou seja, precisa ter a intermediação do sindicato da categoria do trabalhador para mudar as regras que foram modificadas pela MP e agora voltaram a seguir a CLT.

Férias individuais e coletivas

O período de férias individuais volta ser comunicado com 30 dias de antecedência, e não mais em 48 horas. O período mínimo de férias individuais deve ser de 14 dias, o restante pode ser dividido em outros dois períodos. Não pode antecipar férias para o funcionário que não completou 12 meses como empregado, portanto, não tem o período aquisitivo para esse direito. O empregador não pode postergar o pagamento do adicional de 1/3 de férias e o abono pecuniário.

O empregador deve comunicar sobre a concessão de férias coletivas com 15 dias de antecedência, e não mais 48 horas, e tem que informar ao sindicato da categoria dos funcionários e ao Ministério da Economia. As férias coletivas devem ter um período mínimo de 10 dias.

Feriados

Os feriados não podem ser antecipados, sem que isso tenha sido negociado em acordo coletivo.

Banco de horas

Para o caso de contratos que preveem o banco de horas, o mesmo deve ser compensado no acordo coletivo, que em alguns casos pode ser no prazo de três a seis meses. A MP 927 permitia a compensação em até 18 meses.

Segurança e saúde do trabalho

Os exames médicos ocupacionais devem ser feitos nos prazo normais. E os treinamentos estabelecidos pelas normas regulamentadoras também devem ser feitos de acordo com os prazos legais e de forma presencial.

Fiscalização

Os auditores do Trabalho podem atuar de forma fiscalizadora, inclusive com aplicação de sanções e multas.

Saiba o que diz o artigo 75 na CLT, que trata sobre o teletrabalho

Art. 75-A.  A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.

Art. 75-B.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Parágrafo único.  O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

Art. 75-C.  A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

  • 1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
  • 2o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único.  As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

Art. 75-E.  O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Parágrafo único.  O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

 

Cartilha sobre Saúde

Segundo a secretária de Saúde do Trabalhador, a CUT vai lançar uma cartilha sobre saúde e segurança no trabalho durante a pandemia para os sindicatos atuarem para garantir condições de trabalho seguras.

“A ideia é capacitar dirigentes, assessores e militantes sindicais em saúde do trabalhador fornecendo-lhes informações sobre como reconhecer e notificar a Covid-19 como doença do trabalho para contribuir com o fortalecimento da ação sindical CUTista, na defesa da garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores e trabalhadoras adoecidos e mortos por Covid-19”, afirma Madalena .

 

Fonte: Mundo Sindical