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Gilmar Mendes suspende ações trabalhistas sobre correção e ameaça parar Justiça do Trabalho

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu todas as ações relacionadas à correção monetária de dívidas trabalhistas. Entidades e especialistas vêem risco de a decisão paralisar a Justiça do Trabalho.

A liminar (decisão provisória) de Gilmar, deste sábado (27), trava a análise de casos que tratem do impasse entre TR (Taxa Referencial) e IPCA-E (Índice de Preço ao Consumidor Ampliado Especial).

A reforma trabalhista, de 2017, determina a aplicação da TR, que hoje está em 0%. A Justiça do Trabalho tem contrariado a norma e aplicado o índice inflacionário, que nos últimos 12 meses ficou em 1,92%.

Sobre as dívidas incidem ainda juro de 1% ao mês, ou 12% ao ano. Processos trabalhistas envolvem indenizações, como ações sobre horas extras, férias, depósitos no FGTS e 13º salário.

A decisão foi tomada às vésperas de o TST (Tribunal Superior do Trabalho) concluir um julgamento, que já formou maioria na corte, pela adoção do índice mais vantajoso para o trabalhador. O Judiciário está perto do recesso.

Nesta segunda-feira (29), o pleno do TST finalizaria a análise do caso e indicaria o IPCA-E como índice para corrigir as dívidas dos empregadores com os trabalhadores.

Dos 27 ministros, 17 já declararam a inconstitucionalidade da TR no julgamento iniciado no dia 15. Desses, 16 defenderam o uso do índice medido pelo IBGE. Faltavam os votos de apenas 3 integrantes.

A presidente do TST, Maria Cristina Peduzzi, votou pela validade da TR, na ocasião. À Folha, neste domingo (28), ela afirmou que a análise do caso será interrompida.

“Divergi [da inconstitucionalidade da TR], com a adesão de votos de colegas, para julgar improcedente o incidente [recurso], por entender que a escolha legislativa da TR como índice de correção de débitos trabalhistas não afronta a Constituição”, afirmou Peduzzi.

Segundo ela, ações ficarão suspensas até que o STF decida em definitivo sobre o caso.

Há ministros do TST que criticaram a decisão de Gilmar. Integrantes da corte ouvidos pela Folha questionam o fato de a liminar ter sido concedida poucos dias antes do início do recesso do Judiciário.

Há ministros que apoiam a decisão porque, assim, o STF resolve a questão de uma vez por todas. Isso traria segurança jurídica.

O impacto da decisão de Gilmar vai se esparramar por toda a Justiça do Trabalho.

Juízes de primeira instância terão de aplicar a TR, e não mais o IPCA-E. Os recursos em TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) e TST terão de aplicar a partir de agora a TR, como determinou a reforma trabalhista. Quem pede IPCA-E é que terá de esperar.

Com a liminar de Gilmar, o caso terá de ser solucionado pelo plenário do STF, composto de 11 ministros. Ainda não há data para julgamento.

Só no TST, são 26,5 mil ações, de um total de 301 mil pendentes de julgamento, que tratam especificamente de correção monetária. O tema, em um ranking de 912 assuntos, aparece em 7º lugar —9% do total.

Embora a discussão se arraste há anos na Justiça do Trabalho, Gilmar argumentou que tomou a decisão liminar em razão da crise causada pela pandemia do novo coronavírus.

Segundo ele, com impacto no mercado de trabalho, o cenário atual torna ainda mais relevante a busca por solução ao impasse sobre qual o índice deve ser aplicado: TR ou IPCA-E.”As consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social”, escreveu Gilmar.

Zerada, a TR é mais prejudicial ao trabalhador, pois não repõe as perdas com a inflação entre a causa trabalhista e a quitação da dívida por parte do empregador. Isso ocorre ao término da ação.

A discussão sobre a fórmula de correção monetária dos valores trabalhistas faz parte de uma ação apresentada pela Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro), em 2018. Nela, a entidade pede que o STF declare a TR constitucional.

Outras entidades de representação de empregadores, como CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CNT (Confederação Nacional do Transporte), apoiam a iniciativa da Consif. Elas também pediram a liminar.

O argumento é que, na reforma trabalhista, o Congresso decidiu aplicar a TR como índice de reajuste nesses processos judiciais. Por isso, a Justiça do Trabalho deveria seguir essa norma, respeitando a decisão do Legislativo.

Diante da proximidade da finalização do julgamento no TST, representantes patronais acionaram o STF para que todos os processos relacionados ao reajuste de dívidas trabalhistas fossem suspensos.

Eles argumentaram que a corte trabalhista estava se antecipando a uma questão que ainda está em avaliação do Supremo. Gilmar, então, aceitou o pedido das entidades e reconheceu que o avanço do julgamento no TST foi um dos motivos para suspender os processos trabalhistas.

A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) vai apresentar nesta segunda-feira um pedido para que o ministro esclareça alguns pontos da decisão. A entidade questiona os efeitos dela.

Para a entidade, a liminar praticamente paralisa toda a Justiça do Trabalho.

“Essa é uma decisão que, concretamente, favorece os maiores devedores da Justiça do Trabalho, incluindo os bancos”, disse a presidente da Anamatra, juíza Noemia Porto.

Para ela, a aplicação da TR desestimula que os empregadores quitem as dívidas trabalhistas, pois a correção é zero.

O professor de direito do trabalho da FMU Ricardo Calcini também destaca o forte impacto da liminar.

“Essa é a decisão mais importante do STF em matéria trabalhista dos últimos anos. Vai paralisar qualquer tipo de processo. Qualquer processo precisa de um índice de correção monetária”, afirmou.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também questionou a decisão de Gilmar. “Perto do recesso [do STF], em meio ao caos da pandemia, a paralisação das execuções trabalhistas será uma tragédia para a população”, disse Felipe Santa Cruz, presidente da entidade, em uma rede social neste domingo.

No TST, no dia 15, a relatora do recurso suspenso, ministra Delaíde Miranda Arantes, disse que a TR afronta o princípio da propriedade. No caso, a propriedade é a indenização que o trabalhador receberá caso vença a ação.

Para fundamentar o voto —vencedor até então—, Arantes se baseou em entendimento do STF, de 2015. A corte mandou aplicar o IPCA-E na correção de precatórios —dívidas públicas reconhecidas em decisão judicial.

“Entendo que a ratio decidendi [razão de decidir] dali extraída pode e deve ser utilizada para declarar a inconstitucionalidade do termo ‘Taxa Referencial’ previsto no parágrafo 7º do artigo 879 da CLT”, afirmou.

No dia 15, o ministro Ives Gandra Martins Filho lembrou que, até 2015, o TST usava a TR. Depois, com a decisão do STF, passou a adotar o IPCA-E, o que criou “um passivo trabalhista enorme”. Em seguida, a reforma retomou a TR.

“Nós estamos invadindo a seara legislativa, estamos invadindo a separação dos Poderes”, disse Gandra, no julgamento.

A corrente majoritária no TST, no entanto, refutou os argumentos de advogados e colegas. Cláudio Mascarenhas Brandão, por exemplo, diferenciou juros de mora de atualização monetária.

“Os juros de mora decorrem do retardamento do cumprimento da obrigação, ao passo que a correção monetária é a recomposição do poder aquisitivo da moeda”, afirmou.

De acordo com o ministro Alexandre Agra Belmonte, a TR “é imprestável” para a correção da moeda. “Se não serve para precatório, por que serviria para débito trabalhista que tem natureza alimentar?”

 

Fonte: Folha de S.Paulo