Com a pandemia de coronavírus, que pegou o mundo desprevenido, sem medicamentos e vacinas eficazes contra essa infecção, aconteceu o que todos estão cansados de ver, ler e ouvir: mortes se espalhando pelo mundo afora.
A quase totalidade dos países afetados vem administrando essa atemorizante situação com a arma que, em epidemias anteriores, mostrou ser a mais eficaz, que é o isolamento, algo bastante complexo de se praticar em razão de seus aspectos negativos.
Seguramente, o pior efeito se relaciona com as atividades econômicas, levando a desemprego e fechamento de negócios e, segundo anunciam os economistas, a época pós-pandemia será de importante recessão. E há que se levar em conta um drama brasileiro que se acentuou nestes últimos meses, que é a tremenda desigualdade social, com cerca de 50% da população tendo acesso a apenas 14% da riqueza produzida, sendo que 40% da população economicamente ativa vivem na informalidade e milhões de pessoas moram em habitações não condizentes com a salubridade e dignidade humanas.
Assim, este conjunto de fatores adversos não permite que um enorme contingente de brasileiros consiga viver em isolamento pelo simples fato de que muitos deles precisam ir para as ruas para ganhar os trocados que lhes garantirão o feijão no prato. Um outro importante efeito colateral do isolamento é seu impacto na saúde mental das pessoas isoladas, uma vez que o homem é um primata superior que necessita de convívio social.
Com a experiência que vem sendo rapidamente acumulada, em especial por países europeus, Estados Unidos e Brasil, onde estão os principais focos de contaminação, tem sido possível construir-se políticas públicas que tendem a ser eficientes, embora muitas das condutas gerem polêmica, primordialmente as ligadas ao indissociável binômio saúde-economia.
Do ponto de vista de atendimento dos contaminados vivendo situações de risco de vida, houve no país uma tremenda corrente de solidariedade, aumentando-se os leitos de UTI em lugares estratégicos, com apoio financeiro e logístico da sociedade civil.
Porém, um fato observado nestes poucos meses e relativamente pouco comentado foi a retração da população em busca de atendimento médico rotineiro, em decorrência do receio de contaminação em consultórios, laboratórios e hospitais. Um dado preocupante é que estão sendo atendidos 30% menos pacientes com câncer em relação às médias históricas, o que significa que muitos pacientes serão consultados mais adiante com doenças em estágios mais avançados, talvez até mesmo perdendo a chance de cura.
Em relação às cirurgias, o que se observa é que elas ainda se restringem a urgências e casos inadiáveis de câncer. No SUS, como consequência, antevê-se um acúmulo de casos represados que implicará em longas filas de espera para as cirurgias eletivas.
A boa nova é que hospitais, cirurgiões e sociedades médicas, aqui e no exterior, têm discutido intensamente como garantir segurança para cirurgias eletivas, tanto para os pacientes, quanto para os profissionais de saúde. Para isso, foram criados protocolos de atendimento bastante rígidos, referendados pela comunidade internacional, os quais precisam ser adotados por todos os hospitais, algo que já vem acontecendo nos hospitais de ponta de São Paulo.
Algumas das medidas já tomadas são a criação de fluxos internos separados para casos suspeitos de Covid-19, que incluem porta de entrada separada, andares exclusivos de internação, circulação interna diferenciada, capacitação dos profissionais de todas as categorias que têm contato com os pacientes e teste para identificar infecção pelo Covid-19 tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde que os atendem.
Infelizmente, viveremos mais alguns meses focados no Covid-19 e precisamos de segurança para o retorno à normalidade no quesito atendimento médico, algo que só é conseguido com a adequação das instituições e dos profissionais de saúde a essa nova realidade. Esse é o caminho a ser seguido, para o bem de todos.
Fonte: Folha de SP